Penhora de imóvel único no nome de fiador: quando é legal e quando pode ser anulada?

Penhora de imóvel único no nome de fiador sendo representada por mãos segurando uma casa de papelão.
Representação da vulnerabilidade do fiador que pode ter seu único imóvel penhorado em razão de dívidas de locação.

A penhora de imóvel único no nome de fiador é um dos temas mais sensíveis e polêmicos do Direito Imobiliário. Muitas pessoas acreditam que, por ser um bem de família, a casa onde o fiador mora nunca poderia ser atingida por dívidas de terceiros. Outras acreditam que o fiador está totalmente desprotegido, podendo perder seu único imóvel por qualquer atraso do inquilino.

A verdade é mais complexa.

Sim, a penhora do imóvel único do fiador é possível. E sim, há situações em que ela é considerada abusiva, ilegal ou anulável. Tudo depende das circunstâncias do contrato de locação, da forma como a fiança foi estabelecida e das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal.

Este artigo explica o tema de forma simples e prática, com exemplos reais e orientações claras. A ideia é que qualquer pessoa consiga entender quando a lei permite a penhora, quando ela pode ser afastada e quais cuidados tomar para evitar problemas.

Quando a penhora de imóvel único no nome de fiador é permitida?

A regra geral está definida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, que trata da impenhorabilidade do bem de família. Essa lei protege o único imóvel residencial da família contra a maioria das dívidas, exceto em algumas situações específicas.

Uma dessas exceções é justamente a fiança em contrato de locação.

Isso significa que:

A penhora de imóvel único no nome de fiador é legal quando a fiança foi prestada em contrato de aluguel.

Mas vamos detalhar melhor.

1. Fiança em locação residencial

Quando o fiador assume responsabilidade por uma locação residencial, ele aceita expressamente garantir os débitos do inquilino. E, ao fazer isso, renuncia à proteção do seu próprio bem de família.

Por isso, mesmo que o fiador:

  • tenha apenas um imóvel
  • resida nesse imóvel
  • tenha filhos menores
  • não tenha participado da dívida

a penhora é permitida.

Essa interpretação foi consolidada pelo STF no julgamento do Tema 295, que validou expressamente a exceção prevista na Lei 8.009/90.

Exemplo prático

Imagine que João seja fiador da filha em um contrato de aluguel residencial. A filha perde o emprego e deixa de pagar o aluguel. O proprietário aciona judicialmente a dívida e pede a penhora do único imóvel que João possui.

O Judiciário tende a permitir essa penhora.

2. Fiança em locação comercial (decisão do STF de 2021)

Durante muitos anos, existiu uma discussão no Judiciário: seria possível penhorar o único imóvel do fiador quando a fiança garantisse locação comercial?

Em 2021, o STF julgou o Tema 1127 e decidiu que sim, também é permitido.

O raciocínio foi o mesmo: a fiança é uma garantia voluntária, e o fiador assume conscientemente o risco.

Isso significa que, hoje, tanto para locação residencial quanto para locação comercial, a penhora do imóvel único do fiador é válida.

3. Quando o contrato está devidamente assinado

Outro ponto essencial: a penhora só é válida se a fiança foi regularmente constituída.

Isso exige:

  • assinatura do fiador no contrato;
  • assinatura do cônjuge, quando aplicável (regimes de bens que exigem anuência);
  • contrato claro quanto às responsabilidades assumidas;
  • comprovação da dívida.

Se tudo isso está correto, a penhora tende a ser mantida.

4. Quando há dívida líquida e comprovada

A Justiça só permite a penhora se o credor demonstrar:

  • valores devidos;
  • inadimplência comprovada;
  • contrato válido.

A simples alegação de atraso de aluguel, sem provas, não permite penhora de bem de família do fiador.

Quando a penhora de imóvel único no nome de fiador pode ser anulada?

Apesar da regra geral, existem várias situações em que a penhora pode ser contestada, afastada ou anulada. Muitas pessoas perdem a chance de se defender porque acreditam que, sendo fiadoras, estão automaticamente desamparadas.

Isso não é verdade.

A seguir, apresento os cenários mais recorrentes de nulidade, abusividade ou cancelamento da penhora.

1. Quando a fiança é nula ou inválida

A fiança pode ser completamente anulada quando:

  • o fiador não assinou o contrato;
  • a assinatura foi falsificada;
  • o fiador assinou sem saber que estava garantindo dívidas;
  • houve coação, engano ou vício no consentimento;
  • houve alteração contratual sem ciência do fiador;
  • o fiador foi incluído apenas como “referência” e não como garantidor.

Exemplo real

É comum encontrar contratos em que a imobiliária preenche campos automaticamente. Às vezes, o fiador não sabia que garantiria aluguel + condomínio + IPTU + multa + danos, e isso pode gerar anulação da fiança.

Se a fiança cai, a penhora cai junto.

2. Quando o fiador não autorizou a renovação automática

Um dos erros mais comuns em contratos é a renovação automática da locação. Muitos fiadores acreditam que a fiança terminou com o fim do prazo inicial, mas isso nem sempre é verdade.

A fiança pode ser contestada quando:

  • o contrato foi prorrogado sem o aval do fiador;
  • o fiador comunicou a intenção de não continuar, mas a imobiliária ignorou.

Se a fiança já tinha sido extinta, a penhora não pode ocorrer.

3. Quando o contrato foi modificado sem autorização do fiador

Se o locador e o inquilino combinaram:

  • reajustes adicionais,
  • renovações,
  • perdão parcial de dívida,
  • mudanças no valor do aluguel,

e nada disso foi comunicado ao fiador, a fiança perde validade.

A Lei do Inquilinato (art. 40) determina que o fiador só responde pelo que concordou.

4. Quando o fiador é idoso em situação de vulnerabilidade

A proteção ao idoso é um critério jurídico que muitos ignoram.

O Judiciário, com base no art. 230 da Constituição e no Estatuto do Idoso, tem afastado penhora quando:

  • o fiador é idoso;
  • mora sozinho no único imóvel;
  • depende emocionalmente ou financeiramente da casa;
  • está em situação de vulnerabilidade.

O entendimento é de que a fiança não pode resultar em desabrigo injustificado.

5. Quando há abuso ou desproporção no contrato

Se o contrato tem cláusulas:

  • abusivas,
  • desproporcionais,
  • obscuras,
  • que ampliam excessivamente a responsabilidade do fiador,

a penhora pode ser revista.

Exemplo: contratos que responsabilizam o fiador por reparos futuros não relacionados ao uso normal do imóvel.

6. Quando o fiador não foi citado corretamente no processo

Se o fiador não foi:

  • citado,
  • intimado,
  • informado do processo,

a penhora é ilegal.

Ninguém pode perder um imóvel sem direito de defesa.

7. Quando houve prescrição da dívida

Dívidas de aluguel prescrevem em prazos específicos (art. 206 do Código Civil). Se o credor demorou demais a cobrar, a fiança não pode ser executada e o imóvel não pode ser penhorado.

Quais cuidados tomar antes de ser fiador?

Se você está pensando em ser fiador, ou se já é, vale considerar alguns cuidados simples que evitam problemas graves.

1. Leia o contrato com calma

Verifique:

  • o que exatamente você está garantindo;
  • cláusulas de renovação automática;
  • multa por rescisão;
  • responsabilidade por taxas extras.

2. Exija cópia assinada do contrato

Isso evita alterações posteriores sem seu conhecimento.

3. Acompanhe pagamentos do inquilino

Atrasos sucessivos devem servir de alerta.

4. Formalize a retirada da fiança após o prazo do contrato

A comunicação deve ser:

  • por escrito,
  • com protocolo,
  • com aviso de recebimento.

5. Avalie garantias alternativas

Antes de ser fiador, considere:

  • seguro-fiança,
  • caução,
  • título de capitalização.

Esse tema se conecta ao conteúdo Caução, Fiador ou Seguro-Fiança? Compare as Garantias Locatícias, disponível no site.

Impacto das decisões do STF

O STF consolidou dois entendimentos que mudaram profundamente a discussão:

Tema 295 (locação residencial)

A penhora é válida.

Tema 1127 (locação comercial)

A penhora também é válida.

Essas decisões reforçam que a fiança é uma garantia voluntária. Porém, não impedem o fiador de questionar:

  • nulidades,
  • abusos,
  • falta de citação,
  • alterações contratuais,
  • vulnerabilidade social.

A penhora é válida como regra, mas não é absoluta.

Quando faz sentido entrar com ação judicial para anular a penhora?

Vale discutir judicialmente quando há:

  • erros na constituição da fiança;
  • violação ao devido processo legal;
  • alteração contratual irregular;
  • prescrição;
  • vulnerabilidade do fiador;
  • vícios na citação;
  • dúvidas sobre extensão da garantia.

Um advogado imobiliário pode avaliar documentos, histórico da dívida e estrutura do contrato. Inclusive, você já tem no blog um artigo que conversa bem com este tema: Aluguel com Atraso: Quando o Fiador Pode Ser Acionado e Quais os Limites Legais.

Perguntas Frequentes

O fiador pode perder sua única casa por dívida de aluguel?

Sim, a lei permite a penhora do bem de família do fiador em contratos de locação.

Existe situação em que o fiador não perde o imóvel?

Sim. Se houver nulidade da fiança, prescrição, alteração contratual sem comunicação ou vulnerabilidade grave.

A fiança vale para sempre?

Não. Ela pode ser limitada ao prazo do contrato e precisa respeitar a vontade do fiador.

O fiador pode desistir da fiança?

Sim, mas a comunicação deve ser formal e documentada.

A penhora acontece automaticamente?

Não. O fiador precisa ser citado, ter direito de defesa e o processo deve ser regular.

Checklist: principais pontos do artigo

  • A penhora do imóvel único do fiador é permitida por lei.
  • Válida para locações residenciais e comerciais.
  • Pode ser anulada em caso de nulidade da fiança.
  • Pode ser afastada por alteração contratual sem aviso.
  • Idosos e pessoas vulneráveis podem ter proteção especial.
  • Falta de citação do fiador invalida a penhora.
  • Prescrição também impede a execução.
  • Sempre leia o contrato e formalize seu desligamento da fiança.

Conclusão

A penhora de imóvel único no nome de fiador é permitida pela lei em muitos casos, especialmente em contratos de locação residencial e comercial. Porém, essa regra não é absoluta. Existem diversas situações em que a penhora pode ser anulada, revista ou afastada.

O fiador tem direitos, e é fundamental conhecê-los para evitar injustiças. Já o locador precisa agir com segurança jurídica para não comprometer sua garantia.

Em um cenário tão sensível como esse, a melhor decisão é sempre buscar orientação técnica para avaliar a validade do contrato, a legalidade da penhora e o melhor caminho para solução.

Se você quer entender melhor seus direitos como fiador, locador ou inquilino, explore outros conteúdos do site e conheça materiais que aprofundam esse tema tão importante no Direito Imobiliário.

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