Imagine receber a notícia de que um parente deixou bens no exterior, mas ninguém sabe por onde começar o inventário. Documentos em outro idioma, regras de sucessão diferentes e prazos que não param de correr. Herança no exterior não precisa virar um pesadelo jurídico: com os passos certos, o processo se torna previsível, rápido e — acima de tudo — seguro.
Nesse post:
Se você já passou pela dor de reunir certidões, lembrar senhas do banco e lidar com burocracias aqui no Brasil, prepare‑se: fora do país é parecido, mas existe um caminho organizado. Vamos juntos.
1. Inventário Internacional: Quando é Necessário?
Situação típica
O falecido possuía imóvel em Orlando, conta bancária em Lisboa ou ações na bolsa de Nova Iorque. Se o bem está registrado fora do Brasil, a lei do país onde ele se encontra exige um procedimento local para transferir a titularidade. Esse procedimento é o inventário internacional.
Dupla jurisdição
- Lei do domicílio do falecido (Brasil) — define herdeiros e legítima.
- Lei do local do bem — regula registro e tributação local.
Resultado: dois processos que precisam dialogar. Ignorar um deles costuma gerar bloqueios bancários, multas e dificuldade de venda futura.
2. Convenção da Apostila de Haia: Seu Melhore Aliado
Desde 2016 o Brasil é signatário da Convenção da Apostila de Haia, que simplifica a legalização de documentos entre mais de 120 países. Um carimbo físico ou eletrônico substitui a antiga cadeia de autenticações consulares.
Fonte externa confiável: consulte a lista de países signatários no site do CNJ – Apostila de Haia (link em português).
Como funciona?
- Emita a certidão brasileira (nascimento, casamento, óbito).
- Vá a um cartório habilitado e solicite a apostila.
- O documento passa a ter validade no exterior sem novos reconhecimentos.
Essa etapa reduz semanas de espera em consulados.
3. Escolhendo o Foro Competente
Regra prática
- Bens imóveis seguem a lei e o foro do país onde estão.
- Bens móveis (contas, ações) podem ser tratados no domicílio do falecido, mas bancos exigem trânsito em julgado local.
Pergunta retórica: Já imaginou vender um apartamento em Portugal sem constar como proprietário no registro predial? Impossível. O foro português terá de reconhecer sua qualidade de herdeiro.
Inventário principal x inventário subsidiário
- Principal: aberto no Brasil, determina quotas de cada herdeiro.
- Subsidiário: aberto no país do bem, cumpre a decisão brasileira e transfere o registro.
4. Documentos Essenciais
Documento | Tradução juramentada | Apostila de Haia |
---|---|---|
Certidão de óbito | Sim | Sim |
Escritura pública de pacto antenupcial | Sim | Sim |
Sentença de inventário brasileiro | Sim | Sim |
Procuração para advogado estrangeiro | Sim | Sim |
Extratos bancários | Pode ser exigida | Pode ser exigida |
Dica interna: leia também o artigo Inventário Extrajudicial: Resolva a Herança de Forma Rápida e Econômica para entender como essa modalidade agiliza a fase brasileira.
5. Cenário 1 — Estados Unidos
Particularidades
- Cada estado tem leis próprias; Flórida exige ancillary probate para não residentes.
- Imposto federal (Estate Tax) só atinge patrimônios acima de US$ 60 000 para não residentes, mas oscila.
Passos resumidos
- Obter a Letters of Administration (nomeação de representante legal).
- Publicar editais a credores.
- Declarar e pagar eventual Estate Tax.
- Transferir imóvel ou ações para herdeiros.
Exemplo real: Se o imóvel vale US$ 300 000, pode haver obrigatoriedade de preencher formulário IRS 706‑NA, mas provavelmente sem imposto devido. Sempre verificar a faixa de isenção atualizada.
6. Cenário 2 — Portugal
Vantagens
- País adota imposto de selo fixo de 10 %, mas há isenção para cônjuge, filhos e pais.
- Processo eletrônico pelo Balcão da Herança.
Passos
- Solicitar NIF (Número de Identificação Fiscal) português para cada herdeiro.
- Registrar no Portal das Finanças a habilitação de herdeiros.
- Pagar o imposto de selo se aplicável.
- Averbar a transmissão no registro predial.
7. Cenário 3 — Itália
Pontos de atenção
- Imposto de sucessão progressivo: 4 % a 8 % sobre valor do bem, com isenção de € 1 milhão para filhos e cônjuge.
- Necessidade de Dichiarazione di successione dentro de 12 meses.
Passos
- Obter codice fiscale para herdeiros.
- Apresentar declaração à Agenzia delle Entrate.
- Pagar imposto e taxa de hipoteca (if applicable).
- Atualizar cadastro no Catasto.
8. ITCMD Brasileiro: Ainda Precisa Pagar?
Sim. Mesmo bens no exterior entram na base de cálculo do ITCMD em alguns estados. O STF julgou (Tema 825) que incide ITCMD apenas se houver lei complementar federal — decisão ainda pendente de modulação. Verifique a legislação do seu estado.
Leia também: 7 Passos Essenciais para Reduzir o ITCMD e Proteger a Herança.
9. Passo a Passo Completo (Visão Geral)
- Levantar bens: localização, valor estimado, eventual dívida.
- Abrir inventário no Brasil (judicial ou extrajudicial) para definir herdeiros.
- Traduzir e apostilar sentença de inventário, certidões e procurações.
- Constituir advogado local no país do bem.
- Registrar inventário subsidiário conforme legislação estrangeira.
- Pagar impostos locais (Estate Tax, Imposto de Selo, imposta di successione).
- Transferir propriedade ou contas aos herdeiros.
- Repatriar recursos, se for o caso, declarando no Imposto de Renda brasileiro.
10. Riscos de Não Regularizar
- Bloqueio bancário: contas congeladas por anos.
- Multa e juros: imposto atrasado pode dobrar de valor.
- Dificuldade de venda: imóvel sem matrícula atualizada vale menos.
- Conflito familiar: divergência sobre quem tem direito a quê.
11. Ferramentas que Facilitam
- Seguro de Vida estrangeiro: liquidez imediata para pagar imposto local.
- Holding offshore: centraliza ativos mas exige compliance.
- Testamento internacional (Convenção de Washington): evita colisão de normas.
Conclusão
Herança no exterior exige planejamento binacional. Seguindo os passos — inventário no Brasil, apostila de Haia, advogado no país do bem e pagamento correto de impostos — os herdeiros evitam dores de cabeça e preservam o patrimônio construído. Informação é o primeiro passo; ação é o que garante resultado.
Checklist Final
- Listar todos os bens fora do Brasil.
- Conferir se o país aderiu à Apostila de Haia.
- Separar documentos para tradução juramentada.
- Verificar alíquotas de imposto de sucessão local.
- Abrir inventário brasileiro para definir herdeiros.
- Contratar advogado estrangeiro com procuração apostilada.
- Registrar inventário subsidiário e pagar impostos.
- Atualizar Imposto de Renda no Brasil.
Resumo Rápido
- Inventário internacional é obrigatório para bens registrados fora do país.
- A Apostila de Haia simplifica a legalização de documentos.
- Escolha o foro competente: principal no Brasil, subsidiário no país do bem.
- Estados Unidos, Portugal e Itália possuem regras distintas de imposto de sucessão.
- ITCMD brasileiro ainda pode ser exigido — verifique legislação estadual.
- Documentação organizada e orientação profissional evitam multas e bloqueios.
Artigos Relacionados:
- Inventário Extrajudicial: Resolva a Herança de Forma Rápida e Econômica
- Testamento: Por Que Você Não Deve Deixar Sua Família Sem Essa Proteção
- Herança e Dívidas: O Que Acontece Quando Alguém Morre Deixando Débitos?
- Planejamento Sucessório: Como Evitar Conflitos Familiares Após a Sua Partida
- Doação em Vida ou Testamento? Veja Quando Cada Opção Vale a Pena
- 7 Passos Essenciais para Reduzir o ITCMD e Proteger a Herança
- União Estável e Herança: Direitos do Companheiro
- Meação do Cônjuge na Partilha: Entenda o Que é Dele por Lei