A guarda compartilhada é o modelo preferencial no Brasil desde 2014, pois busca garantir a presença equilibrada dos pais na vida dos filhos. Mas surge uma dúvida delicada: é possível aplicar a guarda compartilhada quando existem medidas protetivas de urgência decorrentes da Lei Maria da Penha?
Essa é uma questão muito relevante para famílias em situações de conflito, especialmente quando há histórico de violência doméstica. Neste artigo, vamos explicar em detalhes como a lei trata o tema, os limites impostos pelas medidas protetivas e em quais hipóteses a guarda compartilhada pode ser inviável.
Nesse post:
Guarda compartilhada com medidas protetivas: o que diz a lei?
A legislação brasileira define a guarda compartilhada como regra. O artigo 1.584 do Código Civil estabelece que, sempre que possível, esse deve ser o modelo adotado, pois garante a participação conjunta de pai e mãe nas decisões importantes sobre os filhos.
No entanto, a própria lei faz ressalvas: quando há indícios de violência doméstica ou familiar, a guarda compartilhada pode ser afastada, justamente para proteger a criança e o genitor em situação de vulnerabilidade.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) prevê medidas protetivas que podem restringir contato entre agressor e vítima. Em muitos casos, isso inviabiliza a convivência direta, elemento essencial para a guarda compartilhada.
Por que a guarda compartilhada entra em conflito com medidas protetivas?
Para compreender melhor, vamos pensar em um exemplo prático.
Imagine que uma mãe denunciou o pai por agressão. O juiz, ao analisar o caso, concedeu medida protetiva proibindo a aproximação e qualquer contato entre eles. Como seria possível, nessa situação, estabelecer guarda compartilhada, que pressupõe diálogo e convivência mínima?
A resposta é simples: não seria viável. Nesse caso, o juiz pode fixar guarda unilateral em favor do genitor não agressor, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção da criança e do responsável que sofreu violência.
Situações em que a guarda compartilhada pode ser afastada
A lei e a jurisprudência indicam que a guarda compartilhada não deve ser aplicada quando:
- Há medida protetiva de urgência proibindo contato entre os pais.
- Existe risco de revitimização da criança ao conviver com o agressor.
- O agressor apresenta comportamento que compromete o desenvolvimento saudável do filho.
- A comunicação entre os genitores é inviável devido ao histórico de violência.
Nesses casos, a guarda unilateral é a alternativa mais segura, geralmente acompanhada de regulamentação de visitas supervisionadas, quando possível, para preservar o direito da criança ao convívio com ambos os pais.
Entendimento dos tribunais brasileiros
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais estaduais já decidiram diversas vezes que a guarda compartilhada não pode ser aplicada quando há medidas protetivas vigentes, pois isso colocaria em risco a integridade física e psicológica da vítima.
Por exemplo, em decisão recente, o STJ destacou que a guarda compartilhada exige “colaboração mínima entre os pais” e que, quando essa colaboração é inviável por conta de violência doméstica, deve-se priorizar a proteção da criança e da parte vulnerável.
Ou seja, a prioridade é sempre o melhor interesse da criança, e não a aplicação automática da guarda compartilhada.
Como ficam as visitas em casos de medidas protetivas?
Muitos pais e mães se perguntam: “Se a guarda compartilhada não é possível, o agressor perde totalmente o direito de conviver com o filho?”
A resposta é: depende do caso concreto. O juiz pode autorizar visitas monitoradas em espaços supervisionados (como pontos de encontro assistido) ou até mesmo suspender temporariamente o direito de visitas, caso exista risco à criança.
Tudo será avaliado à luz do princípio da proteção integral da criança, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Diferença entre guarda e convivência
É importante lembrar que guarda e convivência não são sinônimos.
- Guarda diz respeito à responsabilidade legal de tomar decisões sobre a vida do filho (educação, saúde, moradia).
- Convivência refere-se ao direito de manter contato e visitas.
Assim, mesmo sem guarda compartilhada, o juiz pode organizar um regime de convivência seguro, desde que não represente risco à criança.
Exemplos práticos do dia a dia
- Caso de agressão contra a mãe: O pai responde a processo de violência doméstica e está proibido de se aproximar da mãe. A guarda compartilhada não pode ser aplicada. A criança fica sob guarda unilateral da mãe, e o juiz pode autorizar visitas monitoradas.
- Conflito intenso, mas sem violência: Pais brigam constantemente, mas não há medidas protetivas. Aqui, a guarda compartilhada ainda é possível, desde que ambos consigam, minimamente, dialogar sobre os filhos.
- Agressão contra a criança: Quando a violência é direcionada ao próprio filho, a tendência é restringir ao máximo o contato do agressor, podendo até suspender o direito de visitas.
Como pedir a alteração da guarda em caso de violência?
Se você ou alguém próximo está nessa situação, é importante saber os passos básicos:
- Registrar ocorrência na delegacia ou buscar apoio nos canais de denúncia (Disque 180).
- Solicitar medidas protetivas ao juiz, com base na Lei Maria da Penha.
- Pedir revisão da guarda no processo de família, demonstrando que a guarda compartilhada é inviável.
- Apresentar provas (laudos médicos, boletins de ocorrência, testemunhas).
O juiz avaliará os documentos e decidirá de acordo com o melhor interesse da criança.
Links internos recomendados
Para aprofundar o tema, sugerimos a leitura dos seguintes artigos já publicados em nosso blog:
- Guarda unilateral: Quando é possível e como solicitá-la judicialmente
- Alienação parental: sinais e medidas legais para proteger seus filhos
- Meu ex não cumpre o regime de visitas: o que posso fazer legalmente?
Esses conteúdos complementam a compreensão sobre situações em que a guarda unilateral ou limitações de convivência podem ser aplicadas.
Conclusão
A guarda compartilhada é o modelo preferencial no Brasil, mas não pode ser aplicada de forma automática quando existem medidas protetivas. Nessas situações, a proteção da criança e da vítima de violência é prioridade absoluta.
O juiz analisará caso a caso, podendo determinar guarda unilateral, visitas supervisionadas ou até a suspensão do convívio. O ponto central é sempre o mesmo: garantir que o ambiente familiar seja seguro e saudável para o desenvolvimento da criança.