Cumprir uma pena privativa de liberdade não significa ficar todo o tempo atrás das mesmas grades. A progressão de regime é um direito previsto na Lei de Execução Penal (LEP) que permite ao condenado trocar o regime prisional por outro mais brando quando cumpre certos requisitos.
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Já ouviu falar de presos que, depois de alguns anos, conseguem trabalhar fora durante o dia e voltar à noite para a penitenciária? Ou que passam a dormir em albergue aberto? São exemplos concretos desse benefício. Mas quais critérios a Justiça analisa? E como o advogado ou defensor pode formalizar o pedido?
O que significa progressão de regime?
Exprime a passagem de um regime de cumprimento de pena mais rigoroso para outro menos gravoso – normalmente do fechado para o semiaberto e, depois, para o aberto. A LEP (Lei 7.210/1984) estabelece essa escada de reintegração: quanto mais o condenado demonstra boa conduta e cumpre parte da pena, mais liberdade conquista.
Regimes prisionais básicos
- Fechado – preso permanece em penitenciária de segurança média ou máxima.
- Semiaberto – colônia agrícola ou industrial; em muitos estados, o detento pode sair para trabalhar ou estudar.
- Aberto – recolhimento em casa de albergado ou domicílio, com regras de horário e assinatura periódica.
- Prisão domiciliar – não é propriamente um regime, mas pode substituir os anteriores em situações especiais, como saúde grave (art. 117, LEP).
Critérios gerais para o benefício
A progressão de regime exige dois pilares básicos:
- Tempo mínimo de pena cumprida (chamado de “lapso” ou requisito objetivo).
- Bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do presídio (requisito subjetivo).
Requisito objetivo: quanto tempo preciso cumprir?
A fração depende da natureza do crime, da reincidência e, em alguns casos, de leis especiais. Veja a tabela simplificada:
Situação | Fração da pena | Base legal |
---|---|---|
Crimes comuns – réu primário | 1/6 | Art. 112, I, LEP |
Crimes comuns – reincidente | 1/4 | Art. 112, II, LEP |
Crimes hediondos ou equiparados – primário | 2/5 | Lei 8.072/1990, art. 2º, §2º |
Crimes hediondos – reincidente | 3/5 | Lei 8.072/1990, art. 2º, §2º |
Condenado por crime com violência ou grave ameaça que teve a pena reduzida pela colaboração premiada | 1/8 | Art. 112, §5º, LEP |
Mulheres gestantes, lactantes ou responsável por criança/deficiente | 1/8 | Pacote Anticrime, art. 112, V |
Exemplo prático: João foi condenado a 9 anos por roubo (crime comum) e é primário. Precisa cumprir 1/6 da pena: 1 ano e 6 meses para solicitar a progressão do fechado para o semiaberto.
Requisito subjetivo: bom comportamento
Além do tempo mínimo, o preso deve apresentar conduta carcerária classificada como boa ou ótima. O diretor elabora um relatório mensal apontando:
- Participação em atividades de trabalho e estudo.
- Relacionamento com funcionários e outros detentos.
- Ausência de faltas graves (rebelião, fuga, posse de telefone, etc.).
Se há falta grave nos últimos 12 meses, o benefício costuma ser negado. A defesa pode contrapor, por exemplo, demonstrando que a falta foi improcedente ou está em revisão.
Débitos com a Justiça
Caso o condenado tenha processos em andamento por outros crimes ou pena de multa não paga, o juiz pode condicionar a progressão ao adimplemento da multa ou ao fim dos feitos paralelos.
Como pedir a progressão de regime?
1. Checar o cálculo da pena
O setor de cálculo ou a vara de execuções penais emite a GUIA ou extrato de liquidação de pena. Verifique se:
- A data-base está correta (última falta grave muda o marco inicial).
- Os dias remidos – por trabalho ou estudo – constam no cálculo.
2. Montar a documentação
- Atestado de conduta assinado pelo diretor.
- Certificado de cursos realizados.
- Declaração de emprego (para demonstrar oportunidade no semiaberto ou externo).
- Comprovante de endereço da família (para regime aberto).
3. Elaborar o requerimento fundamentado
O pedido pode ser feito:
- Diretamente ao juiz da execução via petição simples.
- Por meio de progressão automática em alguns estados com sistema eletrônico (o juiz concede assim que lapso e conduta são lançados).
Modelos devem citar artigos 112 da LEP e, se for crime hediondo, art. 2º, §2º da Lei 8.072/90. Mencionar que a progressão é um direito quando requisitos estão presentes.
4. Parecer do Ministério Público
O MP analisa o pedido. Se opinar negativamente, a defesa pode rebater destacando precedentes (HC 196.733/STJ – exigência de prova concreta para negar conduta).
5. Audiência admonitória
Ao conceder o regime aberto, o juiz realiza uma audiência em que explica as regras: local de pernoite, horários, proibição de frequentar bares, etc. O condenado assina compromisso.
Progressão antecipada: quando a pandemia mudou tudo
Durante a COVID-19, diversos tribunais liberaram presos para prisão domiciliar ou aberto humanitário considerando superlotação e grupos de risco (HC coletivo 191.836/STF). O precedente reforçou a flexibilidade da execução penal em situações excepcionais.
Obstáculos mais comuns
Falta grave recente
Suspende o lapso e exige aguardar novo período de 1/6 ou 2/5, conforme o caso.
Excesso de execução
Quando o preso já cumpriu mais que o necessário e mesmo assim não progride. Cabe habeas corpus para correção imediata.
Crimes cometidos dentro do presídio
Homicídio, tráfico ou corrupção ativa podem gerar nova ação e travar a mudança de regime.
Relação com outros benefícios
- Remição: dias trabalhados/estudados abatem pena e antecipam a progressão.
- Livramento condicional: exige 1/3 ou 1/2 da pena, bom comportamento por mais tempo.
- Indulto: perdão total, depende de decreto presidencial anual.
Para aprofundar a diferença entre esses benefícios e a prisão em si, confira nosso artigo sobre
medidas cautelares em vez de prisão e o texto sobre audiência de custódia: 5 pontos para se preparar bem.
Perguntas frequentes
Posso pular do fechado direto para o aberto?
Raramente. A regra é escalonada, mas em crimes culposos ou penas curtas o juiz pode autorizar.
A progressão vale para presos provisórios?
Não. Somente condenados com sentença transitada em julgado.
Estrangeiro preso também tem direito?
Sim, a LEP não faz distinção de nacionalidade.
Caso Paulo — falta grave recente
Paulo, condenado por roubo, havia completado 1/6 da pena, mas foi flagrado com celular 3 meses antes do pedido. Falta grave suspendeu o lapso. O juiz negou a progressão, exigindo novo cumprimento de 1/6 a partir da falta.
Caso Ana — excesso de execução
Ana, condenada por furto, estava presa há 2 anos no fechado. Cálculo atualizado mostrou que já poderia estar no aberto há 5 meses. Defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça e conseguiu soltura imediata por excesso de execução.
Dúvidas frequentes sobre progressão de regime
Posso pular direto do fechado para o aberto?
A regra é sequencial. Contudo, para crimes sem violência e penas de até 4 anos, o juiz pode permitir a transferência direta, caso existam vagas em casa do albergado (art. 33, §2º‑b, CP).
Estrangeiro tem direito?
Sim. A LEP não distingue nacionalidade. Contudo, em alguns casos o juiz pede comunicação à autoridade consular.
E se houver dívida de multa?
Alguns juízes condicionam a progressão ao pagamento. Tribunais superiores, porém, entendem que a multa não pode impedir o benefício se o preso demonstrar impossibilidade financeira (HC 639.562/STJ).
Relação com outros benefícios
Benefício | Requisitos de tempo | Observações |
Remição | 1 dia abatido a cada 3 dias de trabalho ou 12 h de estudo | Antecipação indireta da progressão |
Livramento condicional | 1/3 da pena (primário) ou 1/2 (reincidente), bom comportamento | Exige garantia de emprego ou residência fixa |
Indulto / comutação | Definidos anualmente por decreto presidencial | Pode extinguir pena sem exigir bom comportamento recente |
Conclusão
A progressão de regime não é privilégio: é uma ferramenta de ressocialização prevista em lei. Cumprindo a fração da pena e mantendo boa conduta, o condenado tem direito à mudança para um ambiente menos restritivo. Documentação completa, cálculo de pena correto e defesa ativa fazem toda a diferença para conquistar o benefício no tempo certo.
Quanto melhor a preparação, menor o risco de permanecer no regime fechado além do necessário.
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