A morte de um familiar costuma trazer dores emocionais, responsabilidades e, muitas vezes, conflitos patrimoniais. Entre esses conflitos, um dos mais comuns aparece quando existe um imóvel a ser partilhado e um ou mais herdeiros decidem morar nele sem autorização dos demais.
Afinal, quem realmente pode permanecer no imóvel até o fim do inventário? Existe herdeiro com prioridade? Morar no bem antes da partilha é ilegal? Isso gera indenização? Pode ser considerado esbulho?
Se você já viveu essa situação ou conhece alguém que passa por isso, provavelmente já se perguntou: por que esses conflitos entre herdeiros acontecem com tanta frequência?
A resposta é simples. O inventário demora, a dor da perda se mistura com decisões financeiras importantes, e nem sempre todos concordam sobre como agir especialmente quando há um imóvel envolvido.
Este artigo explica, em linguagem simples, como funciona o uso do imóvel herdado antes da finalização do inventário. Também traz exemplos práticos, orientações úteis e esclarece o que a lei permite ou proíbe nesses casos.
Nesse post:
Invasões e conflitos entre herdeiros: quando começam os problemas?
Os conflitos patrimoniais geralmente começam quando um herdeiro passa a agir como se fosse o único proprietário do imóvel. Isso ocorre em situações como:
• decidir morar no imóvel sem conversa com os demais
• impedir o acesso dos outros herdeiros à casa
• alugar o imóvel sozinho e ficar com todo o dinheiro
• mudar fechaduras
• realizar obras sem consenso
• retirar bens ou mobílias sem autorização
Esse comportamento gera sensação de invasão, mesmo quando existe vínculo familiar. O ponto essencial é entender que todos os herdeiros têm direitos iguais sobre o imóvel, independentemente do grau de proximidade com o falecido ou do tempo em que cada um viveu no local.
E aqui surge uma dúvida recorrente: “Mas eu era quem cuidava do meu pai. Não posso ficar na casa até terminar o inventário?”
A resposta é: não existe privilégio automático. O cuidado, por mais importante e valioso, não substitui o processo legal.
O imóvel integra o espólio: ninguém é dono sozinho antes da partilha
Assim que ocorre o falecimento, todo o patrimônio da pessoa passa a formar o espólio, que será administrado pelo inventariante até a conclusão do inventário. Isso significa que:
• nenhum herdeiro é dono individual
• nenhum herdeiro pode tomar decisões sozinho
• nenhum herdeiro pode excluir outro do uso do imóvel
• o imóvel não pode ser vendido ou alugado sem anuência dos demais
Na prática, o imóvel passa a ser um bem indivisível até que o processo judicial ou extrajudicial defina a divisão.
Quem pode permanecer no imóvel enquanto o inventário não termina?
A regra geral é clara: todos os herdeiros têm direito igual ao uso e à posse do imóvel.
Isso significa que nenhum herdeiro pode simplesmente se instalar no local como se fosse o único proprietário. Porém, isso não impede que alguém resida na casa. A lei permite a permanência de um ou mais herdeiros desde que:
- não haja oposição dos demais
- o uso seja de boa-fé
- não haja exclusividade abusiva
- exista acordo, mesmo que verbal
- não gere prejuízo aos outros herdeiros
Quando não há consenso, o juiz pode decidir quem permanece no imóvel temporariamente. Geralmente, o critério usado é a necessidade, mas cada caso é analisado individualmente.
Um exemplo prático: imagine dois irmãos, um deles com renda baixa, filhos pequenos e sem condições de pagar aluguel. O juiz pode autorizar que ele permaneça no imóvel até a partilha, desde que compense os demais pelo uso exclusivo.
E se apenas um herdeiro estiver morando no imóvel? Ele deve pagar indenização?
Sim, na maior parte dos casos.
O STJ entende que o uso exclusivo do imóvel comum por apenas um herdeiro gera obrigação de pagar aluguel (indenização) proporcional à parte dos outros, desde que estes manifestem oposição.
Esse entendimento se baseia no artigo 1.319 do Código Civil, que determina que:
o condômino que usar o bem com exclusividade deve pagar aos demais a indenização correspondente.
Isso vale inclusive quando o herdeiro já morava no imóvel antes do falecimento. A posse exclusiva após a abertura do inventário muda totalmente a natureza jurídica do uso.
Quando o uso do imóvel pode ser considerado invasão ou esbulho?
O termo “invasão” é usado de forma popular, mas o termo jurídico correto é esbulho possessório.
Esbulho ocorre quando alguém:
• toma a posse de forma violenta
• permanece no imóvel contra a vontade dos demais
• impede o acesso dos outros herdeiros
• age como se fosse proprietário único
• troca fechaduras
• ameaça ou intimida os outros coproprietários
Quando isso acontece, os herdeiros prejudicados podem pedir judicialmente uma ação de reintegração de posse, mesmo entre familiares.
Muita gente acha que “não existe esbulho entre herdeiros”, mas isso é um mito. O STJ já decidiu que o esbulho pode existir dentro da própria família se houver posse injusta e exclusão indevida dos demais.
O que fazer quando um herdeiro impede os outros de acessar o imóvel?
Essa é talvez a situação mais comum entre invasões e conflitos entre herdeiros.
Imagine o cenário: um irmão muda a fechadura, impede visitas, não deixa tirar documentos, proíbe retirada de móveis do falecido ou até impede que o inventariante cumpra suas funções.
Nesses casos, os demais herdeiros podem:
- Registrar boletim de ocorrência
- Enviar notificação extrajudicial
- Pedir ao juiz autorização de entrada no imóvel
- Requerer reintegração de posse por esbulho
- Solicitar remoção do inventariante (se for ele o autor do conflito)
A postura do inventariante é fundamental. Se ele age de modo parcial, favorecendo um herdeiro em detrimento dos outros, pode ser substituído por determinação judicial.
E quando um herdeiro aluga o imóvel antes do inventário?
Essa prática também é muito comum e totalmente inadequada.
Nenhum herdeiro pode:
• alugar o imóvel sozinho
• firmar contrato de locação sem conhecimento dos demais
• ficar com o valor do aluguel
• permitir que terceiros ocupem o imóvel sem consenso
Caso isso ocorra, os outros herdeiros podem exigir:
• anulação do contrato
• devolução dos valores recebidos
• indenização proporcional
Esse tema se conecta diretamente com conteúdos já publicados em seu blog, como:
• Posse e Propriedade: Qual a Diferença e Como Proteger Seus Direitos?
• Ação de Imissão na Posse: Quando Usar e Como Funciona o Processo
Esses artigos complementam a compreensão sobre limites de posse e uso indevido do bem.
É possível pedir aluguel retroativo (indenização) pelo uso exclusivo?
Sim. A indenização começa a valer quando:
- o herdeiro que não usa o imóvel deixa clara sua oposição ao uso exclusivo, e
- o herdeiro ocupante continua no imóvel sem dividir o uso ou os lucros.
Essa oposição pode ser feita por:
• carta registrada
• notificação extrajudicial
• petição no inventário
• manifestação formal perante o juiz
A partir desse momento, o herdeiro ocupante passa a dever aluguel proporcional.
E as despesas do imóvel? Quem deve pagar IPTU, condomínio e contas básicas?
Outro ponto que costuma causar briga.
A regra é:
• despesas ordinárias (água, luz, condomínio, manutenção básica) devem ser pagas por quem mora no imóvel
• despesas extraordinárias (reforma estrutural, IPTU atrasado, taxas herdadas) podem ser rateadas entre todos, pois pertencem ao espólio
• se um herdeiro paga sozinho obrigações da propriedade, ele pode pedir direito de regresso no inventário
Esse tema se conecta ao artigo já publicado “Cobrança Indevida de Condomínio: O Que Fazer e Como se Defender”.
E se um dos herdeiros não quer vender o imóvel? Todos devem concordar?
A venda do imóvel antes da partilha exige consenso entre os herdeiros. Sem isso, ninguém pode vender sozinho.
Mas e quando um dos herdeiros quer manter o imóvel e outro quer vender?
Nesse caso, existe solução:
• o herdeiro interessado pode comprar a parte do outro (direito de preferência)
• se não houver acordo, o juiz pode determinar alienação judicial do bem
Infelizmente, muitas famílias chegam a esse ponto justamente por não terem conversado ou por terem permitido que um dos herdeiros tomasse posse exclusiva.
Como evitar invasões e conflitos entre herdeiros?
Algumas práticas simples ajudam a evitar brigas:
• definir quem usará o imóvel durante o inventário
• formalizar acordos, mesmo que simples
• manter diálogo transparente entre os herdeiros
• escolher inventariante neutro e responsável
• documentar todas as despesas
• registrar oposição quando houver uso exclusivo abusivo
Infelizmente, nem sempre o diálogo é possível. Por isso, a via judicial é necessária para equilibrar direitos e impedir prejuízos.
Exemplo real
Imagine um casal que falece e deixa dois filhos. A casa onde viviam fica fechada por um tempo. Um dos irmãos decide morar lá para “cuidar do imóvel”.
O outro irmão, que mora em outra cidade, só descobre isso meses depois. Ao tentar entrar para pegar documentos antigos dos pais, percebe que a fechadura foi trocada.
• Primeiro problema: posse exclusiva
• Segundo problema: ausência de autorização
• Terceiro problema: impedimento de acesso
Nesse caso, o juiz pode:
• determinar que ambos tenham acesso
• exigir pagamento de aluguel para compensar o uso exclusivo
• proibir retirada de bens até a avaliação oficial
• advertir o inventariante
• fixar multa por má-fé
Esse tipo de exemplo ilustra como situações simples podem se transformar em conflitos maiores.
Existe prioridade para o cônjuge sobrevivente?
Sim. O cônjuge pode ter direito real de habitação, previsto no Código Civil (art. 1.831), que permite ao viúvo ou viúva permanecer no imóvel que servia de residência familiar, mesmo depois da partilha.
Mas isso não impede que os demais herdeiros recebam compensação econômica, pois o imóvel continua sendo patrimônio comum.
Como fazer para resolver invasões e conflitos entre herdeiros?
As medidas mais comuns são:
Medidas amigáveis
• conversa entre os herdeiros
• acordo extrajudicial sobre uso temporário
• divisão de despesas
• cronograma para a venda do imóvel
Medidas judiciais
• pedido de aluguel indenizatório
• reintegração de posse
• remoção do inventariante
• tutela de urgência para impedir esbulho
• alienação judicial do bem
• obrigação de permitir acesso ao imóvel
Cada situação exige análise profissional detalhada.
Perguntas Frequentes
Posso morar sozinho no imóvel enquanto o inventário está aberto?
Sim, mas apenas se os demais herdeiros concordarem. Caso contrário, você pode ter de pagar aluguel indenizatório.
Posso trocar a fechadura para garantir segurança?
Não sem autorização dos demais. Isso pode configurar esbulho.
E se um herdeiro se recusar a vender o imóvel?
O juiz pode ordenar a venda judicial quando não houver consenso.
Quem paga as contas do imóvel?
Quem mora no imóvel paga despesas ordinárias. IPTU e taxas maiores podem ser divididos.
O inventariante pode morar no imóvel?
Pode, mas não tem privilégio. Se morar sozinho, também pode ter de pagar indenização.
Checklist
• todos os herdeiros têm direitos iguais
• ninguém pode ocupar o imóvel sozinho sem autorização
• uso exclusivo pode gerar pagamento de aluguel
• impedir acesso configura esbulho
• inventariante pode ser removido em caso de desvio
• despesas ordinárias cabem a quem ocupa o imóvel
• conflitos podem ser resolvidos amigavelmente ou judicialmente
• o imóvel só deixa de ser indivisível após a partilha
Conclusão
Os conflitos sobre uso e posse do imóvel herdado são muito comuns. Entender os limites legais ajuda a evitar prejuízos e facilita a convivência familiar durante o inventário. Se você está vivendo uma situação de invasão ou conflito entre herdeiros, buscar orientação jurídica é essencial para proteger seus direitos.





