A guarda dos filhos é um dos temas mais sensíveis do Direito de Família. Quando um dos pais decide mudar de cidade ou até mesmo de país, a situação pode se tornar ainda mais complexa. Afinal, como garantir o convívio, o bem-estar e o desenvolvimento emocional da criança diante da distância geográfica?
Neste artigo, vamos explicar como funciona a guarda de filhos em caso de mudança de cidade ou país, quais são os direitos e deveres de cada genitor, e o que diz a legislação brasileira sobre o tema.
Nesse post:
O que é guarda de filhos e quais são os tipos previstos na lei
Antes de entender os efeitos da mudança de cidade ou país, é importante relembrar os tipos de guarda previstos no Código Civil e o que cada um representa na prática.
Guarda unilateral
A guarda unilateral é aquela concedida a apenas um dos pais, cabendo ao outro o direito de visitas e o dever de supervisionar a educação e o bem-estar do filho.
Esse modelo costuma ser adotado quando há conflitos graves entre os pais, situações de negligência, abuso, abandono ou qualquer outro fator que inviabilize a convivência equilibrada.
Guarda compartilhada
É a forma preferencial prevista pela lei brasileira (Lei 13.058/2014). Nela, pai e mãe participam conjuntamente das decisões relacionadas à vida da criança — saúde, escola, religião, lazer —, ainda que o filho more com apenas um deles.
Diferente do que muitos pensam, guarda compartilhada não significa que o tempo de convivência deve ser igualitário, e sim que as responsabilidades parentais devem ser equilibradas, garantindo que a criança tenha presença ativa de ambos os genitores.
Mudança de cidade: posso me mudar com o meu filho sem autorização do outro genitor?
Essa é uma das perguntas mais recorrentes em casos de guarda compartilhada.
A resposta é: depende.
Se há guarda compartilhada formalmente estabelecida, qualquer mudança que possa impactar o convívio do outro genitor deve ser comunicada e, em regra, autorizada judicialmente.
Isso porque o deslocamento para outra cidade pode dificultar o regime de convivência, afetando o vínculo afetivo e emocional da criança.
O artigo 1.634 do Código Civil estabelece que ambos os pais têm o dever de decidir, conjuntamente, sobre a residência dos filhos. Assim, a mudança unilateral pode ser interpretada como violação do poder familiar.
Exemplo prático
Imagine que a mãe, guardiã física do filho, decide aceitar uma proposta de trabalho em outra cidade, a 500 km de distância.
Se o pai tem convivência frequente (como finais de semana alternados), a mudança alteraria significativamente a rotina da criança e o exercício da paternidade.
Nessa hipótese, o correto seria ingressar com uma ação de autorização judicial para mudança de domicílio, expondo os motivos e propondo uma nova forma de convivência (como férias prolongadas, videochamadas regulares, transporte dividido, etc.).
E se a mudança for para outro país?
Quando há intenção de mudar de país com o filho, o cuidado deve ser ainda maior.
Nenhum dos pais pode levar a criança para o exterior de forma unilateral se isso prejudicar o direito de convivência do outro genitor.
Caso o faça, pode caracterizar retenção internacional de menor, um tema tratado pela Convenção de Haia de 1980, da qual o Brasil é signatário.
Essa convenção determina que o país de origem da criança pode exigir o retorno imediato quando o deslocamento ocorrer sem autorização judicial ou sem o consentimento do outro genitor.
O que a Justiça considera
Para decidir se a mudança internacional será autorizada, o juiz analisa critérios como:
- Motivo da mudança (trabalho, casamento, estudo, tratamento médico, etc.);
- Impacto emocional e psicológico na criança;
- Condições de adaptação e segurança no novo país;
- Manutenção do vínculo afetivo com o genitor que permanece no Brasil;
- Estrutura familiar e rede de apoio disponível no exterior.
A decisão é sempre pautada no melhor interesse da criança, princípio consagrado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 4º e art. 6º).
Como o juiz decide quem fica com a guarda após a mudança
Quando a mudança de cidade ou país gera conflito entre os pais, o juiz pode reavaliar a guarda.
A análise é individualizada e leva em conta:
- A qualidade do vínculo afetivo com cada genitor;
- A disponibilidade de tempo e capacidade de cuidado;
- As condições de moradia, escola, saúde e segurança;
- O histórico de convivência anterior.
Em alguns casos, mesmo que a mudança seja autorizada, a guarda física pode ser alterada para que a criança permaneça no ambiente que melhor assegure sua estabilidade emocional e social.
Como fica o regime de convivência quando há distância
A distância não elimina o direito de convivência.
Ao contrário, a Justiça tem buscado soluções criativas e equilibradas para manter o vínculo entre pais e filhos, mesmo em cidades ou países diferentes.
Entre as medidas mais comuns estão:
- Videochamadas regulares (determinadas em dias e horários fixos);
- Períodos prolongados de visita, como férias escolares e feriados;
- Revezamento de passagens aéreas, dividindo os custos entre os pais;
- Flexibilização de datas, priorizando o convívio de qualidade em vez da rigidez de calendário.
A tecnologia tem sido uma grande aliada nesses casos, permitindo a manutenção do contato afetivo mesmo à distância.
E se o outro genitor não autorizar a mudança?
Caso não haja consenso, o caminho adequado é buscar o Judiciário.
A parte interessada deve ingressar com uma ação de modificação de guarda e de regime de convivência, expondo:
- Os motivos da mudança;
- As novas condições propostas para o convívio;
- As provas de que a alteração não trará prejuízo ao menor.
O juiz poderá determinar uma perícia psicológica e social, ouvir o Ministério Público e até mesmo escutar a criança, quando ela tiver maturidade suficiente (geralmente a partir dos 12 anos, conforme o ECA).
O papel do advogado especializado em Direito de Família
Diante da complexidade do tema, é essencial contar com a orientação de um advogado especializado em Direito de Família.
Esse profissional ajudará a:
- Avaliar a viabilidade jurídica da mudança;
- Propor um acordo equilibrado entre os pais;
- Representar judicialmente o genitor, seja para pedir autorização, seja para contestar uma mudança indevida.
Nos casos internacionais, o advogado também pode atuar em cooperação com autoridades estrangeiras, evitando que o caso se torne um litígio internacional de difícil solução.
Consequências legais de mudar sem autorização judicial
Levar o filho para outra cidade ou país sem consentimento do outro genitor pode gerar graves consequências legais, como:
- Perda da guarda;
- Determinação de retorno imediato da criança;
- Multas e sanções processuais;
- Em casos extremos, configuração de crime de subtração de incapaz (art. 249 do Código Penal).
Além disso, a atitude unilateral pode fragilizar a relação de confiança com o Judiciário, dificultando futuras decisões favoráveis.
Exemplo real: decisão do STJ sobre mudança internacional
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentou casos de mudança internacional.
Em um deles (REsp 1.733.764/DF), o Tribunal decidiu que a guarda compartilhada não impede a mudança de país, desde que o interesse da criança seja preservado e o genitor que fica no Brasil tenha assegurado o convívio contínuo e significativo.
Essa decisão reforça a importância de negociar e formalizar qualquer alteração, evitando conflitos e prejuízos emocionais aos filhos.
Como formalizar a mudança de cidade ou país
Se o outro genitor concordar com a mudança, o ideal é formalizar o acordo por escrito e homologá-lo judicialmente.
Esse documento deve conter:
- Novo endereço da criança;
- Escola e plano de saúde no novo local;
- Modalidade de convivência e frequência de contatos;
- Responsabilidade por custos de viagem e transporte;
- Data de início e validade do novo regime.
Essa formalização garante segurança jurídica e evita futuras alegações de descumprimento de deveres parentais.
Conclusão: o melhor interesse da criança sempre prevalece
Em qualquer decisão envolvendo guarda e mudança de cidade ou país, o ponto central é o melhor interesse da criança.
A Justiça entende que pai e mãe devem cooperar para promover o desenvolvimento físico, emocional e social do filho — mesmo que isso exija adaptações e renúncias pessoais.
A mudança pode representar uma oportunidade de crescimento, desde que não rompa o vínculo familiar essencial à formação da criança.
Resumo dos principais pontos
- A guarda compartilhada exige diálogo e autorização para mudanças relevantes.
- Mudança sem consentimento pode gerar perda de guarda e até crime.
- Mudança internacional depende de decisão judicial e análise do melhor interesse do menor.
- O regime de convivência pode ser adaptado para manter o vínculo à distância.
- O advogado de família é essencial para orientar e formalizar os acordos.
Perguntas frequentes:
Preciso avisar o pai/mãe se for mudar dentro da mesma cidade?
Depende. Se a mudança não afeta o convívio ou a rotina da criança, não há necessidade de autorização formal, mas é recomendável comunicar para manter a boa-fé.
Posso mudar de país com meu filho se a guarda é unilateral?
Mesmo com guarda unilateral, o outro genitor deve ser comunicado e pode contestar judicialmente. O juiz analisará o impacto sobre o convívio e o bem-estar da criança.
E se o outro genitor não quiser assinar a autorização?
Você deve ingressar com uma ação judicial para obter a autorização. A decisão caberá ao juiz, após ouvir as partes e o Ministério Público.
criança pode opinar sobre com quem quer morar?
Sim. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito de ser ouvida, especialmente em casos que envolvem mudança de domicílio.
O que acontece se eu levar a criança para outro país sem autorização?
Pode haver determinação de retorno imediato e até processo internacional por retenção indevida de menor.
Se você está passando por uma situação semelhante ou teme perder o contato com seu filho por conta de uma mudança de cidade ou país, procure orientação jurídica antes de tomar qualquer decisão.
A equipe da Rocha Advogados Associados é especializada em Direito de Família e pode te ajudar a construir uma solução segura, justa e que preserve o vínculo familiar.





