Você sabia que é possível doar um imóvel e continuar morando nele pelo resto da vida?
Essa é uma dúvida muito comum entre pais que desejam transferir seus bens aos filhos ainda em vida, mas temem perder o direito de usufruir da casa onde sempre viveram.
Nesse post:
A boa notícia é que a legislação brasileira permite essa possibilidade através do usufruto, um instrumento jurídico que garante o direito de uso e moradia mesmo após a doação.
Mas afinal, como funciona essa doação com reserva de usufruto? Quais são os cuidados, vantagens e riscos?
Neste artigo, o escritório Rocha Advogados Associados explica de forma clara e detalhada tudo o que você precisa saber antes de realizar esse tipo de doação.
O Que Significa Doar Um Imóvel com Usufruto?
A doação com reserva de usufruto é uma forma de transferir a propriedade de um bem (como uma casa ou apartamento) a outra pessoa, geralmente um filho ou parente próximo, mantendo o direito de usar e morar no imóvel enquanto viver.
Em outras palavras, o doador transfere a posse e a propriedade formal, mas reserva para si o usufruto vitalício, ou seja, o direito de morar, alugar ou administrar o bem até seu falecimento.
Exemplo prático
Imagine que dona Maria, de 68 anos, deseja deixar sua casa para a filha, mas quer continuar morando nela até o fim da vida.
Ela pode doar o imóvel à filha, registrando a transferência no cartório de imóveis, mas incluir na escritura a cláusula de usufruto vitalício em seu favor.
Assim, mesmo que o imóvel passe formalmente para a filha, dona Maria continua sendo a “usufrutuária”, com direito de permanecer no imóvel legalmente.
O Que é o Usufruto?
O usufruto é um direito real previsto no artigo 1.390 do Código Civil, que permite ao titular (usufrutuário) usar, gozar e aproveitar economicamente de um bem que pertence a outra pessoa (o nu-proprietário).
Em termos simples:
- Usufrutuário: quem tem o direito de usar e aproveitar o bem (ex: morar, alugar, receber rendas).
- Nu-proprietário: quem é o dono do bem, mas sem poder usar ou dispor dele enquanto durar o usufruto.
Esse direito pode ser vitalício ou temporário, conforme estabelecido na escritura. O mais comum, nas doações familiares, é o usufruto vitalício, que termina automaticamente com o falecimento do usufrutuário.
Como Funciona a Doação com Reserva de Usufruto na Prática?
A doação com usufruto é formalizada por escritura pública em cartório, e o usufruto deve ser registrado na matrícula do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Passo a passo simplificado:
- Avaliação do imóvel e decisão sobre a doação
O doador escolhe o bem e quem será o beneficiário da doação. - Redação da escritura pública
O cartório elabora a escritura de doação com a cláusula de reserva de usufruto vitalício. - Assinatura das partes
Doador e donatário assinam a escritura pública. - Pagamento do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação)
O imposto é pago ao Estado onde o imóvel está localizado. A alíquota varia conforme a legislação estadual. - Registro no Cartório de Imóveis
A escritura é registrada na matrícula do imóvel, formalizando a transferência da nua-propriedade e a reserva do usufruto.
Após o registro, o imóvel passa a ter dois titulares distintos:
- O nu-proprietário (quem recebeu o bem).
- O usufrutuário (quem continua morando ou administrando).
Quais São os Direitos de Cada Parte?
Direitos do usufrutuário
- Direito de uso e moradia vitalícia.
- Direito de receber rendimentos, se o imóvel for alugado.
- Responsabilidade por despesas ordinárias, como água, luz e condomínio.
- Dever de conservar o bem, evitando danos que reduzam seu valor.
Direitos do nu-proprietário
- Propriedade plena após o fim do usufruto.
- Proibição de vender ou usar o imóvel sem o consentimento do usufrutuário.
- Responsabilidade por despesas extraordinárias, como reformas estruturais.
Posso Vender o Imóvel com Usufruto?
Sim, o imóvel pode ser vendido, mas com limitações.
O nu-proprietário só pode vender a nua-propriedade, ou seja, o imóvel continua gravado com o usufruto.
Isso significa que o comprador não poderá usar o bem enquanto durar o usufruto.
Por essa razão, imóveis com usufruto geralmente têm menor valor de mercado, já que o comprador só terá a posse plena após o falecimento do usufrutuário.
Quais São as Vantagens da Doação com Reserva de Usufruto?
A doação com usufruto é uma ferramenta importante no planejamento sucessório, trazendo segurança e economia familiar.
Principais vantagens:
- Evita conflitos futuros entre herdeiros, pois o bem já está destinado.
- Reduz custos e tempo de inventário, já que o imóvel não integrará a herança.
- Garante moradia vitalícia ao doador.
- Permite controle sobre o bem, impedindo a venda ou uso indevido sem autorização.
- Pode reduzir a carga tributária, dependendo da situação.
E Quais São os Cuidados e Riscos Envolvidos?
Embora seja vantajosa, essa modalidade requer cautela jurídica, pois uma vez realizada, a doação é irreversível, salvo em situações excepcionais previstas no Código Civil (como ingratidão do donatário ou descumprimento de encargos).
Principais cuidados:
- Ter clareza sobre o objetivo da doação e suas consequências.
- Avaliar a capacidade financeira dos herdeiros e a harmonia familiar.
- Verificar o impacto tributário do ITCMD.
- Formalizar tudo com assessoria jurídica especializada para evitar nulidades.
Um erro comum é doar o imóvel sem orientação adequada, o que pode gerar conflitos familiares ou perda de direitos por falta de cláusulas protetivas.
É Possível Retirar o Usufruto?
Sim, mas apenas em casos específicos.
O usufruto se extingue automaticamente com a morte do usufrutuário, mas pode também acabar por:
- Renúncia voluntária, se o usufrutuário desejar abrir mão do direito.
- Prazo determinado, se estabelecido na escritura.
- Abandono ou destruição do bem.
- Perda do imóvel (como em desapropriação).
A extinção deve sempre ser averbada na matrícula do imóvel para atualizar a titularidade plena ao nu-proprietário.
Implicações Tributárias e ITCMD
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é de competência estadual, e deve ser pago no momento da doação.
A alíquota varia conforme o Estado, mas normalmente gira em torno de 4% a 8% sobre o valor venal do imóvel.
Alguns Estados permitem descontos ou isenções em determinadas situações (como doação entre pais e filhos), mas isso precisa ser analisado caso a caso.
Um detalhe importante:
O usufruto não impede a incidência do ITCMD, pois há transmissão da nua-propriedade. No entanto, o valor base do imposto é reduzido, já que o bem permanece gravado com usufruto, o que diminui seu valor tributável.
Para mais detalhes, é possível consultar as normas estaduais sobre o ITCMD no site do Governo Federal.
Diferença Entre Doação com Usufruto e Testamento
Uma dúvida comum é: por que doar em vida e não simplesmente fazer um testamento?
Comparativo simplificado:
| Aspecto | Doação com Usufruto | Testamento |
|---|---|---|
| Momento de efeito | Imediato (em vida) | Após o falecimento |
| Controle sobre o bem | Mantém o uso (usufruto) | Permanece até a morte |
| Custos e impostos | Incide ITCMD na doação | ITCMD no inventário |
| Risco de arrependimento | Difícil reverter | Pode ser revogado a qualquer tempo |
| Agilidade e simplicidade | Mais rápido | Depende de processo sucessório |
Em resumo, a doação com usufruto antecipa o planejamento sucessório, evitando burocracias, mas exige decisão definitiva.
O testamento, por outro lado, é mais flexível, podendo ser alterado enquanto o testador estiver vivo.
Se quiser entender melhor essas diferenças, veja nosso artigo sobre Doação em Vida ou Testamento? Veja Quando Cada Opção Vale a Pena.
Cláusulas Importantes na Doação com Usufruto
Para garantir segurança jurídica, a escritura pode conter cláusulas protetivas além do usufruto. As mais comuns são:
- Cláusula de inalienabilidade: impede a venda do imóvel.
- Cláusula de impenhorabilidade: protege o bem contra dívidas dos herdeiros.
- Cláusula de reversão: permite o retorno do bem ao doador se o donatário falecer antes.
Essas medidas evitam riscos patrimoniais e garantem que a vontade do doador seja respeitada.
Usufruto Conjunto: Quando o Direito é Compartilhado
É comum que casais realizem a doação com usufruto conjunto, ou seja, ambos mantêm o direito de usar o imóvel até o falecimento do último.
Nesse caso, o usufruto só se extingue com a morte dos dois, garantindo proteção ao cônjuge sobrevivente.
Exemplo:
O casal João e Ana doa a casa para o filho, mas reserva o usufruto para ambos. Quando João falece, Ana continua usufruindo integralmente do imóvel até o fim da vida.
Como o Planejamento Sucessório se Beneficia do Usufruto
O usufruto é uma ferramenta poderosa dentro do planejamento sucessório, permitindo:
- Organizar a transmissão de bens em vida.
- Reduzir custos com inventário.
- Evitar disputas entre herdeiros.
- Garantir moradia e segurança ao doador.
No contexto jurídico, a combinação entre doação com usufruto, testamento e cláusulas protetivas pode garantir tranquilidade familiar e proteção patrimonial duradoura.
Leia também: Planejamento Sucessório: Como Evitar Conflitos Familiares Após a Sua Partida.
Checklist: O Que Saber Antes de Doar um Imóvel com Usufruto
- Avalie bem os impactos familiares e financeiros da decisão.
- Consulte um advogado especialista em Direito das Sucessões.
- Exija escritura pública registrada em cartório.
- Defina quem serão os donatários e se haverá cláusulas protetivas.
- Pague corretamente o ITCMD e guarde o comprovante.
- Verifique se o usufruto será vitalício ou temporário.
- Registre tudo na matrícula do imóvel.
Perguntas Frequentes
Posso doar um imóvel e continuar morando nele sem fazer usufruto?
Não. Sem o usufruto, o novo dono pode exigir a desocupação do imóvel. O usufruto é o que garante seu direito de continuar morando legalmente.
Posso cancelar o usufruto depois de registrado?
Apenas em casos de renúncia voluntária, acordo entre as partes ou nas hipóteses legais de extinção previstas no Código Civil.
O usufrutuário pode alugar o imóvel?
Sim, o usufrutuário pode alugar o imóvel e receber os aluguéis, desde que mantenha a conservação do bem.
É preciso pagar imposto para fazer a doação com usufruto?
Sim, incide o ITCMD, cuja alíquota depende do Estado onde o imóvel está localizado.
Após a morte do usufrutuário, o imóvel precisa de inventário?
Não. O bem já pertence ao nu-proprietário, bastando averbar a extinção do usufruto no cartório.
Conclusão
Doar um imóvel e continuar morando nele é totalmente possível e legal no Brasil, desde que o ato seja realizado com reserva de usufruto e acompanhado por orientação jurídica adequada.
Essa medida garante segurança, evita conflitos familiares e faz parte de um planejamento sucessório inteligente, especialmente para quem deseja organizar o futuro dos bens com tranquilidade e previsibilidade.
Se você pensa em realizar uma doação em vida, o ideal é contar com o apoio de um advogado especialista em Direito das Sucessões, que poderá avaliar o seu caso, elaborar a escritura com todas as cláusulas necessárias e garantir que o ato seja juridicamente seguro.
Resumo dos Principais Pontos
- A doação com usufruto permite doar e continuar morando no imóvel.
- Deve ser formalizada por escritura pública e registrada em cartório.
- O usufruto garante uso vitalício e termina com o falecimento do usufrutuário.
- O ITCMD é devido, mas pode ter base reduzida.
- É recomendável incluir cláusulas de proteção e orientação jurídica.
- É um instrumento eficaz de planejamento sucessório.
Quer saber mais sobre planejamento e herança?
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